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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Reflexo

     Veja bem, nem sempre depois da chuva vem um lindo sol e vice-versa, e demorou para que eu entendesse isso. Era uma tarde qualquer e eu estava isolado na solidão do meu quarto, cuja iluminação era vinda apenas de um facho de luz que penetrava por um buraco qualquer no teto e que clareava um pequeno espaço perto do grande espelho semi coberto que fica ao lado do meu armário. Ali costumava ser meu porto seguro: janelas cobertas, portas trancadas, livros, música e minha imaginação viajando a mil.
    Estava quase adormecendo, meus olhos começaram a pesar, quando ouvi um barulho vindo de perto do grande espelho. De início ignorei, mas o barulho se fez ouvir novamente, e agora um pouco mais alto. Levantei e fui conferir… Nada! Fiquei uns bons segundos parado de frente ao espelho, sem notar meu reflexo, também, o que havia de interessante para ver ali? Um perdedor que passou sua vida inteira se escondendo e fugindo daquilo que ele deveria enfrentar. As lembranças dos fracassos passados me vieram à cabeça, então decidi cobrir totalmente o grande espelho e voltei pra cama. As pálpebras começaram a pesar e minha mente foi ficando lenta, até o barulho aparecer novamente…  
     Olhei na direção do espelho e vi que o lençol estava no chão. “What the hell!”, pensei. Eu havia coberto essa droga! Preguiçosamente levantei da cama e caminhei até onde o lençol estava caído. Ao me abaixar para pegá-lo achei ter ouvido algo como “psiu” e levantei assustado, olhando para os lados. Não havia ninguém, apenas. Ai aconteceu o que, com certeza, muita gente não acreditaria se eu contasse. Quando fui cobrir o espelho notei que meu reflexo me encarava. Sim, ele não havia imitado meus gestos, como deveria ser. Ao invés disso ele me encarava com ar de questionamento. Não vai ser preciso dizer que me assustei e caí no chão ao tentar fugir de mim… O que é cômico. Eu estava desesperado, assustado, achando que tinha enlouquecido, porém eu me olhava com aquela expressão antes mencionada. Esfreguei os olhos várias vezes, com a esperança de que aquilo não fosse real, mas sempre que os abria eu me via na mesma posição.
Eu não estava enlouquecendo, mas algo bem maluco estava acontecendo comigo.
- O que você quer? - Indaguei com bastante dificuldade, pois o medo ainda tomava conta de mim. O outro Rupert continuou a me encarar, permanecendo assim por cinco angustiantes minutos até começar a falar
- Está um lindo dia lá fora - ele disse -, você deveria ir lá tomar um ar fresco e sair um pouco daqui.
- O que você quer? - Meu tom saiu forçadamente seguro. Claro, eu estava falando comigo mesmo, estava assustado com essa loucura.
- Aquilo que você também quer. O encarei confuso. O que ele quis dizer com isso? - Ahhhh, qual é, Rupert, vai ficar ai sentado nesse chão frio parecendo um garotinho assustado?
- Você não estaria caso estivesse em meu lugar? O Rupert do espelho apenas sorriu de um jeito que eu deveria saber qual era, afinal ele era eu.
- Está um lindo dia lá fora - ele repetiu -, você deveria ir lá tomar um ar fresco e sair um pouco daqui. Ele fez uma pausa e sorriu.
- O que você quer de mim? - Perguntei, agora com tom mais rígido. O Rupert do espelho suspirou. Passou as mãos pelas bordas do espelho, sua expressão foi mudando aos poucos… Tristeza, tédio, saudades… Não sei, talvez tudo junto.
- Eu… - ele hesitou. - Eu apenas quero ser livre, como antes.
- Livre, como assim? Ele me olhou nos olhos… Eu me olhei nos olhos. Não entendia, ele era apenas um reflexo, como poderia se libertar?
- Pra você posso ser apenas seu reflexo, Ruppy - disse ele como se tivesse lendo meu pensamento -, mas sou mais que isso. Eu sou você, você é eu. Somos um só. Eu sei dos teus medos e das tuas inseguranças. Sei quantas vezes você abaixou a cabeça por se julgar incapaz de fazer algo. Lembro de todas as vezes que você desistiu de alguém e se isolou de vez aqui nesse quarto parcialmente iluminado. Você não é mais livre, você se rendeu facilmente às dificuldades da vida e criou seu próprio mundinho individual aqui neste quarto escuro e mofado. Você abriu mão de muita coisa, incluindo a minha liberdade, e eu não aguentava mais estar aprisionado nesse mar de frustrações e decidi vir aqui tentar me libertar, tentar te libertar!
     Suas palavras me atingiram como um punhal no ponto vulnerável. Por muito tempo eu estive fugindo, me escondendo. Ninguém nunca notava, nem meus melhores amigos. Ninguém podia me ajudar porque eu nunca me abria com ninguém, e de repente eu estava ali falando comigo mesmo.
- Você sabe que ninguém pode te ajudar, Rupert - ele continuou. - Ninguém pode ajudar com seus problemas dessa ordem. Você mesmo construiu essa bolha que nos aprisiona e ninguém, além de você mesmo, pode nos tirar dela. E foi pra isso que eu vim aqui, pra te trazer de volta à realidade, pra te tirar dessa eterna escuridão em que vives. Eu vim pra te libertar! Ninguém mais o pode fazer, apenas você, apenas eu, apenas nós! Então eu te imploro, me liberte, nos liberte… Nem sempre depois da tempestade vem um dia de sol, e você deve está preparado pra isso…  
     Com essas ultimas palavras eu cobri minha cabeça com as mãos enquanto todas as más lembranças de meus fracassos me bombardeavam. Eu não podia fugir mais. Não tinha como. Me restava sair e encarar essa tempestade interior com a cabeça erguida. Eu tinha que ser forte. Nem sempre depois da tempestade vem um dia de sol, mas eu tinha o poder de fazer um sol brilhar no lugar dessa tempestade que eu mesmo criei. Apenas eu poderia me libertar do meu isolamento!                    Rupert Heaven (an alterego of mine).
Anteriormente postado em: http://diarioams.blogspot.com.br/2014/11/reflexo.html

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